Como a Experiência do Consumidor impactou a Guerra das Cervejas
O mercado brasileiro de cervejas tem algumas sazonalidades e, certamente, o Carnaval é uma das datas de maior consumo dessa bebida. E justamente às vésperas da festa popular mais movimentada do país, o mercado foi abalado com a notícia de que a Heineken se tornou a cerveja mais consumida pelo brasileiro. Após duas décadas reinando praticamente sozinha, a Ambev terá o grande desafio de se reinventar. Mas o que a experiência do Consumidor tem a ver com essa guerra das cervejas?
Na obra “As 22 Consagradas Leis Do Marketing” AI Ries & Jack Trout explicam que muitas categorias de produtos tendem a ser dominados por dois grandes players, os quais acabam travando verdadeiras guerras publicitárias e midiáticas. Podemos verificar esse fenômeno nos mercados de cervejas, refrigerantes, tênis, celulares, operadoras, televisão, bancos e muitos outros. No Brasil o embate entre fabricantes de cervejas se iniciou na década de 1980 entre Brahma e Antarctica, enquanto a Skol crescia modestamente “comendo pelas bordas”. Ao final da década de 1990 esse cenário mudou radicalmente com a criação da AmBev, que resultou na fusão destas 3 cervejarias. Daí em diante as Marcas Schincariol, Itaipava e Heineken entraram no mercado e fizeram algum barulho, sem gerar grandes incômodos pra gigante das cervejas. Isso até o ano retrasado, quando a Heineken começou a subir aceleradamente na preferência dos brasileiros.
O que mudou esse cenário? Ao contrário do que se pensa, não foram investimentos vultuosos em Marketing da cervejaria holandesa. Óbvio que Branding ajuda a aumentar a consciência de Marca e incutir o desejo no consumidor, mas o estopim do crescimento da Heineken veio das Micro-Cervejarias. Há pelo menos 5 anos o mercado cervejeiro foi invadido por milhares de cervejarias artesanais de diversas cidades ao redor do país. E foram elas que trouxeram um fator que se tornou importante, mas antes era ignorado pelos consumidores: a cerveja puro malte.
Antes de continuar com a argumentação abro parênteses para explicar esse fator. Em 1516 foi criada na Alemanha a Lei da Pureza da Cerveja, a qual designava que a bebida deveria ser produzida exclusivamente com água, malte e lúpulos. Alguns séculos depois a levedura foi incluída na receita, quando a ciência descobriu os micro-organismos que provocavam a fermentação. O malte (que normalmente é de cevada, mas também pode ser feito de grãos como trigo, centeio e aveia) serve para proporcionar um açúcar mais intenso para a fermentação. Só que a cevada custa quase o dobro do preço de cereais que não podem ser maltados, como o milho por exemplo. Isso contando só o valor da saca do grão, sem levar em conta o processo de maltagem.
Por isso as grandes cervejarias começaram a usar os tais cereais não maltados, sobretudo o milho, na produção da cerveja. E a ANVISA permite que até 45% da composição seja de cereais não maltados. Enquanto os grandes fabricantes conseguiam economizar rios de dinheiro, o brasileiro passou a consumir um produto de qualidade cada vez mais baixa sem se dar conta, já que não havia base de comparação. Com a entrada das micro cervejarias, as quais seguem fielmente a Lei da Pureza, o consumidor passou a entender a diferença entre uma bebida de boa qualidade (puro malte) para uma cerveja feita com insumos de baixa qualidade. E entre as grandes Marcas, somente a Heineken é uma cerveja puro malte.
A partir do momento em que o indivíduo pode usufruir de bebidas mais intensas e encorpadas, com aroma e sabor mais marcantes, ou seja, que proporciona melhor experiência de consumo, ele não aceita mais um produto de baixa qualidade. Ainda que esse comportamento se inicie lentamente nas classes sociais mais altas, rapidamente se difunde nas classes C e D. Foi o que aconteceu com o consumo de Heineken. E agora, após 20 anos menosprezando o consumidor, a AmBev se vê no desafio de emplacar uma Marca puro malte.
Um dos fatores mais marcantes da Transformação Digital é justamente a Experiência do Consumidor. Quando tratamos esse assunto meramente na teoria, pode até parecer um exagero marqueteiro. Mas exemplos como esse da guerra das cervejas demonstra o quanto o mercado é sensível ao comportamento das pessoas em rede.
Sua empresa está preparada para o novo comportamento do consumidor? Quais práticas vem desenvolvendo para atender o cliente do século XXI?